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À uma e trinta da manhã

Eu só acredito no que você falar a partir da uma e trinta da manhã. Antes, você pode gritar, desesperar-se. Será inútil.

O mesmo discurso das delegacias, é o que se ouve nos consultórios psicanalíticos.

Enquanto você não estiver em total desespero, toda a sua fala será exibicionismo, ou racionalizações defensivas.

Eu penso que o dia já vai raiar, mas quando olho no relógio, são 15 para as 10.

O leitor pensa que isso começou às 21hs, não é verdade, estou aqui desde as 4 da tarde.

Os intuitos são semelhantes. Quebrar a minha virilidade, a minha honra. É preciso, caso contrário, não se está falando a verdade.

Ambos ficam sugerindo a sua homossexualidade.

Há diferença? O mesmo truque é usado. Eles fingem que você já se entregou. Você não disse nada, mas quando você pensa que já começou a falar, você acaba de fato falando.

A noite é longa. É a frase dessa gente.

Ficar das quatro até quinze para as dez... não há palavras

As coincidências entre os dois processos, são demais pra mim

Às vezes o ser humano, depois de passar maus pedaços, quer repetir

Por isso certa gente procura a psicanálise

É a semelhança que atrai

Mas pra mim, é o que aterroriza

Os olhares maliciosos, aquela atitude de dizer qualquer besteira, mas que a longo prazo, após dez minutos, começa a se transformar em verdades absolutas

Só começo a acreditar após a uma e trinta da manhã!

À uma e quinze tentei me matar

Não era o usual. Geralmente isso acontecia lá pelas três, quatro

Só podia ser porque eu era viado

Não era para tanto!

Tipo de frase que ocorre em qual tipo de mente?

Não era pra tanto, eu tava gostando tanto de você!

Que espécie de gente não interrompe o processo nessas circunstâncias?

Só três tipos são capazes disso: delegados, psicanalistas e a minha mãe.

Só começo a acreditar após a uma e trinta da manhã!

Desde pequeno minha mãe fazia isso. Príncipe! Exibicionista!

Tentava achar a palavra que mais me feriria.

Agora, as coincidências não assustam?

Eu tô achando que você quer se exibir pra mim!

Assim vão os processos...

Qual o retorno que a gente tem?

Não é nulo. Ambos tentam se esconder, mas ambos sabem que é impossível. Aqui e ali a gente ouve: até que ele é inteligente!

Perguntam pra minha mãe. E ela ajuda! Chama ele de exibicionista!

Tragédia que não consta na Grécia antiga. A mãe que presidiu as sessões de tortura do próprio filho

É preciso quebrar! Ele está desenvolvendo mecanismos de defesa!

O horror em que se mergulha já não é horror, vai além, estamos no mundo de fantasmas, não há mais pessoas, não se entende, não se acredita onde viemos parar

Quem está ali no consultório?

Aquilo não é uma pessoa.

Há um corpo humano....mas é alguma outra coisa.

Aqueles olhos vidrados, com certeza não humanos, que habitam nossos sonhos

A sensação de total vulnerabilidade

De vez em quando transforma-se em sexo

A relação com o tempo se altera

É possível algum dia voltar? Algum dia os fantasmas de novo se tornam humanos?

Os pensamentos são incessantes

Os cálculos não param

A glória existe, mas apegar-se a glória é meio como que vender a alma ao diabo

Eu te dou a glória, mas quero tua alma, ele diz

As pessoas se perguntam

Qual a sua tribo?

Parece aquele oficial do exército americano no Vietnã.

Discursava empolgado, achava que estava abafando

Mas os soldados perplexos: ele tem alguma ideia do que aconteceu aqui?

Qual a sua tribo?

Essa gente tem alguma ideia do que foi chegar aqui às quatro da tarde?

Não dá para acreditar!

Mas insistem!

Será essa afinal a informação que estão atrás?

Eu pensava que era só sadismo da minha mãe, mas será que é isso afinal?

Eu não tenho tribo excelência! Cago de acordo com vosso desejo!

Não estou para brincadeiras!

Excelência, são quatro da manhã! Não estou brincando!

Como você não tem tribo?

Não tenho excelência! Garanto!

Não sei se é consequência do processo, da minha mãe ou da minha sabedoria, mas me identifico com o cosmos, com o todo. Não confio em nenhum ser humano, a não ser se intermediado por algo divino que me defende

Não me identifico com nada excelência! Leio uma coisa e outra, penso nessa vagina ou naquele ânus, mas a mente só vagueia, não para em lugar nenhum, a não ser quando está de fato em lugar nenhum, aí para e aí sou feliz

Você está repetindo conceitos de filosofia indiana para exibir-se!

Excelência, quatro e cinco da manhã!

Você não é nada?!

Não sou! Confirmo!

Veja excelência, mulheres já tentaram me amar mas desistiram. Porque queriam achar os pontos nevrálgicos, onde me chantagear, mal que afeta muito esse sexo, mas não acharam.

Por isso excelência. Eu chego como quem chega do nada, parece interessante, elas pegam o cardápio, vão além do cardápio, passam a me interrogar, não querem perder o investimento, vão buscando, no que ele acredita, mas não acham, e essa a tragédia delas, o investimento já foi tanto, tentam recuperar o dinheiro, vão apostando mais e mais, mas não conseguem achar nunca e aí passam a me odiar

Excelência, sou o nada encarnado! Minha glória e minha desgraça!

Conviver comigo é a melhor das coisas. Desde que o intuito não seja passear por aí para mostrar o bom partido que se conseguiu.

Esse exibicionismo que é a maior das acusações contra mim é justamente o que não tenho

Isso de que me acusam, é justamente do que sofrem

A gente começa a falar de filosofia indiana simplesmente porque é o que mais faz sentido, mas quando vemos, estamos vendo a mente do ouvinte e lá está ele achando que aquilo está afetado, e aí a confusão nos assola, e nós mesmos passamos a achar que de fato puxamos o assunto só para impressionar.

Mas excelência, se fosse eu exibicionista teria escrito esse texto? Não! Isso aqui só saiu porque justamente habito misteriosas montanhas onde há talvez algo, mas indescritível!

Vivo aí nessa fronteira. Não é a fronteira entre o masculino e o feminino como tanto se cogitou. Não! É a fronteira entre esse mundo e o nada. Aqueles picos gelados que se aproximam do céu!

Já são seis da manhã!


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