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Como ser lógico no dia a dia

Atualizado: 4 de set. de 2020



Sabemos que não trabalhamos com deduções no nosso dia a dia.

Se o farol está vermelho, não avanço. Correto.

Mas não é o tipo de questão relevante.

Aquelas decisões que nos tiram o sono foram tomadas a partir de possibilidades.


Achei que fulano me desrespeitou e respondi.

Agora já não sei se agi corretamente.

Achei que devia investir meu dinheiro naquilo e agora me arrependo.

Comprei algo inútil.

Tomei um remédio inapropriado.

Deixei de agradecer fulano.

Acho que fulana percebeu meu interesse.

Como pensar corretamente em situações desse tipo?


O problema aqui é que não temos dados suficientes e há um componente emocional em nossas respostas.

Parte da solução está em Pirro. Uma vez lhe perguntaram se ,uma vez que para o cético tudo é indiferente, então matar ou não matar também seria indiferente e então por que ele não matava?

Pirro responde que exatamente por ser indiferente é que ele não matava. A solução desse paradoxo é que matar para Pirro era uma decisão emocional. E decisões emocionais são melhor tomadas quando não há dogmas por trás. Ou seja, como Pirro não tinha dogmas, no caso não matarás , justamente por isso ele tomava decisões emocionais de melhor qualidade.

A ideia, não só dele, mas de vários filósofos é que apegar-se a pensamentos, quaisquer que sejam, é o pior que fazemos para pensar no dia a dia.

Talvez a questão devesse ser invertida. Ou seja, o que impede o cidadão comum de pensar corretamente?

Eu criei um exemplo. Imagine a sala de aula de seu colégio. Um professor dá notas altas para uns e baixa para outros. É inevitável que os primeiros vão dizer que ele é melhor professor do que os últimos. Mas não por isso ser verdade, por ser esse o desejo deles.

Como Pirro resolveria isso? Nesse caso é preciso uma grandeza de espírito.

Colocar-se acima da emoção advinda de nossa nota. Isso se consegue apenas se você for indiferente a receber uma nota alta ou uma baixa. O velho tudo dá no mesmo dos céticos. Assim,inversamente ao primeiro exemplo, você pensaria objetivamente sobre seu professor e aqui a decisão ponderada seria melhor do que o impulso dos demais alunos. Ou seja, o bom pensador talvez apenas visse que houve uma grande proporção da classe tendo notas altas e por isso o professor seria bom.Não é um raciocínio necessariamente correto, mas é melhor do que o impulso.

Já estamos entendendo como se pensa melhor no dia a dia.

É através do desapego.

Um outro exemplo. Vamos supor que o leitor esteja num táxi, e divirja da opinião política do taxista.

Se a sua opinião política lhe é vital, a tendência é discutir. Mas se não é, o leitor vai provavelmente tentar entender o contexto da opinião do taxista. Ou seja, o voto dele foi para quem lhe parecia mais interessado na segurança, porque essa é uma questão sensível ao taxista. E aí seu pensamento foi de fato superior, porque a discordância precipitada lhe teria impedido de entender o taxista.

Na vida temos momentos em que grandes decisões tem que ser tomadas. Muitas dessas são situações em que nossa vida está em risco. Como resolver?

Se não nos sacrificamos por alguém que merecia nosso sacrifício isso nos incomodará para sempre.

De novo uma grandeza de espírito se pede. Tanto faz estar morto ou vivo. Por isso dou minha vida ou arrisco minha vida por beltrano. Se sobrevivo vou ter um prazer para sempre. Agora, se Beltrano morre, nunca mais terei paz.

Mas há um outro problema importante em nossas decisões. Erramos.

A maioria das pessoas reluta muito em admitir que errou. Exatamente porque se apega a seu pensamento e não o larga. Pirro sabia que nenhum pensamento era digno de tal apego. Daí admitia com facilidade que errou. E mais fácil se tornava pedir desculpas e tentar concertar a situação.

Mas há situações de guerra em nossas vidas. Fico com esse ou com aquele emprego. Aí o estoico diria é preciso uma base para uma decisão. Sem base simplesmente não ajo e perco ambos os empregos.

Aí de novo a vantagem da mente desapegada, vazia. Também característica estoica.

Jogo de lado alguma noção de prestígio desnecessária, algum desejo de conforto secundário e faço a melhor escolha.

Posso ter algum medo de dar aulas de inglês para esquizofrênicos mas percebo que devo enfrentar e que a ausência de prestígio disso é menor do que o retorno financeiro.

Podemos errar, óbvio. Mas se ficamos pensando em indiferentes a chance de errar aumenta. A noção de indiferentes nada mais é que isso mesmo, questões que devem ser mantidas a parte de nossas decisões.

Assim, em momentos de guerra precisamos de motivação para agir e isso só vem de certezas, ou o mais próximo que conseguirmos chegar nelas. Um raciocínio bom é preciso fazer algo.

Não importa se eu errar, ficar parado é o pior.

Um outro aspecto de se tomar boas decisões é saber qual o jogo.

Se você sabe como funciona a sua sociedade isso lhe trará retorno.

Sei que os ladrões agem mais de madrugada evito andar na rua nessa hora.

Sei que a política é movida a dinheiro e a partir disso entendo melhor o que se passa o que algum dia pode redundar em algo.

De um modo geral o conselho de Platão na carta sete é bom. Lembrar-se que o mundo é feito de malandros. O tempo todo alguém vai querer te enganar.

Aqui também cabe Marco Aurélio, todo dia de manhã se relembrava que gente desagradável se aproximaria dele.

Mas aqui voltamos ao desapego. Porque não há nesse tipo de mente uma necessidade de que o mundo seja bom. Queremos o mundo bom. Mas não nos abate ser mau. Sabemos que é mau, mas lutamos mesmo assim, com menos dano dos que os desiludidos, que choram sempre. Também choramos, mas algo em nós permanece ainda que tudo seja injusto.

Outro fato da vida é o pensamento de Fernando Gabeira. Fiquei preso onde tive que conviver com gente com a qual não gostaria de ter convivido, mas aprendi a conviver com gente desagradável.

Com certeza muita gente estará em nossa cela que não gostamos. Mas de novo Pirro. Tudo dá no mesmo. Assim, a humanidade passa a ser um empate, ninguém sabe mais do que ninguém e não há que se competir.

Claro que não conseguimos isso tudo.

Mas me foi útil. Eu sempre ambicionei ser escritor, mas acometido de esquizofrenia acabei em grupos de ajuda mútua, num dos quais escrevia junto com colegas cujos textos normalmente desprezaria. Mas era preciso amor fati para fazer amizade com eles, a melhor decisão ali.

Da onde o amor fati?

Justamente da mente vazia. Se você não tem ambições,ou seja pensamentos relativos ao que sua vida deveria ser aos quais você se apegou, é mais fácil aceitar um destino adverso, é mais fácil negociar com pessoas desagradáveis, e em última análise, nossas decisões acerca de nosso dia a dia são melhores.

Sócrates é o maior exemplo, todo mundo sabe disso.

Ele repetidamente mostrava que devemos sujeitar nossos pensamentos à nossa análise, ou seja, não se apegava a eles, e ensinava seus alunos isso.

Quando arriscou a vida por Alcibíades foi porque teve lá a grandeza de espírito de saber que sua vida não valia tanto, que importava mais salvar o amigo. Não me parece que tenha pensado, ou se pensou foi junto com uma emoção. A bonita emoção das mentes desapegadas.

Ele era difícil de iludir. Porque as pessoas que nos tentam iludir geralmente tentam usar algo em que acreditamos. Um exemplo fácil é alguém pedindo nosso voto ao prometer justiça social. Normalmente tendemos a acreditar na fala seguinte. Fala-se uma verdade para nos empurrar uma mentira. Sócrates permanecia impassível e perguntava para onde iria o lucro das multinacionais. Porque a emoção de ouvir alguém dizer algo em que ele acreditava não era tanta a ponto dele acreditar na frase seguinte. O tempo todo tudo é questionável.

Talvez o maior inimigo das boas decisões no dia a dia venha a ser o charme.

Uma vez internado li uma frase na parede: “ na dúvida mantenha o charme”.

Pensei, poxa, a última coisa aqui é me preocupar em ser charmoso.

Charmoso para mim é o raciocínio feito com base na moda.Ou numa moda. É um raciocínio sectário, destinado a agradar certo grupo.

A pessoa diz ser a favor de se liberar a maconha porque sabe que isso ecoa charmoso a certos ouvidos.

Ou, em outras palavras, é a supervalorização da estética. Como parecer bonito.

Os estoicos repetidamente diziam que nem sempre a maioria estava certa, nem sempre o discurso mais bonito é o melhor. Uma vez mais, Barack Obama parece simpático, faz um discurso bonito onde todos os americanos devem ter oportunidades iguais, as pessoas todas acham charmoso, vão atrás, mas muito poucos param para ver que os centros de tortura do serviço secreto americano continuam funcionando igual. Não há melhor exemplo em nosso tempo de como o charme ilude do que Barack Obama.

Aqui em São Paulo adolescentes de baixa renda muitas vezes queimam tudo que tem para comprar um tênis.

O famoso bandido Leonardo Pareja entrou para o crime porque achava charmoso ser bandido. Ele nunca precisou de dinheiro. É possível uma decisão pior do que essa?

Quanta gente busca a carreira artística só porque acha que terá fama e será visto como pessoa charmosa, quando na realidade sua expressão artística não é nada.

A necessidade de estar por dentro. Pessoas com esquizofrenia às vezes não sabem preço de coisa alguma. E se afligem muito. Se percebessem que estar por dentro não é necessário à virtude se afligiriam menos.

Nessas pessoas as decisões às vezes são péssimas. Porque, na urgência de aprovação, repetem apenas o ouvido. Não tem mais nada de próprio. Não arriscam. Estão traumatizadas de não terem charme.

Uma vez uma moça disse que tinha sido estuprada aos dois anos. Ninguém se lembra de seus dois anos de idade.Ela fala isso porque acha que soa psicanalítico e portanto charmoso.



" Agora, até que ponto a aprovação importa? Julgar que tudo que os outros pensam é externo e portanto indiferente não é certo. Vai contra a prudência. Se temos um amigo por exemplo e vemos que ele nos despreza por um erro em sua mente, isso não é externo, é de responsabilidade corrigir. A emoção de perder o amigo não pode ser desprezada, até porque está baseada no correto conceito de que devemos preservar nossas amizades. A aprovação importa. "

E aí de novo a mente vazia. Os presentes de Deus nos vem inteiros, as amizades vem com força, porque não colocamos empecilhos. Sabemos que como tudo também são transitórias, mas não significa que não as estimamos e tentamos preservá-las.

Não há como calcular tudo que dizemos a nossos amigos. Mas há como não termos ambições e a partir disso saber que a chance de dizermos o certo a nossos amigos aumenta.

Toda a chance de acertar aumenta quando a mente é vazia. Assim é que acredito que nossa lógica no dia a dia funciona. Não através de deduções mas através de um hardware por trás onde somos bons.



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