Esquizofrenia X Estoicismo
Estoicismo x Esquizofrenia ( uma viagem )
Minha visão do estoicismo é muito simples: há uma parte incorpórea,portanto imutável e imperecível que é a lógica, enquanto todo o resto é corpóreo.
Esse pensamento, surpreendentemente,aflige muita gente.Sendo esses os alvos aqui.
A pessoa com esquizofrenia sofre do mal de que seus pensamentos e sentimentos não passam.
Ao considerá-los corpóreos, você passa a achar que eles passam, e assim tudo se resolve.
Vejam exemplos:
O leitor antes de dormir pensa que é a reencarnação de Santo Agostinho, que vai liderar um movimento anti Bozo, que a mulher ao lado é a Xuxa jovem.
São pensamentos individuais, e portanto delirantes.
Mas o leitor não consome clozapina.
Porque esses pensamentos passam.
No final, todo esquizofrênico apenas acha que nada vai dar certo,e essa mescla de sentimento e pensamento não lhe sai mais da cabeça.
Por que psiquiatra tem direito a banheiro limpo e eu não?
Por que na vaga de emprego que achei estava escrito auxiliar de limpeza, e não simplesmente encarregado da limpeza?
Por que o cara cujo médico não tem CNPJ não pode ter bilhete gratuito no transporte?
E assim por diante.
No entanto há uma esperança. A promessa da ataraxia se realiza.
Se você se concentra na ideia acima, o ambiente te destrói, mas você se recupera.
Depois de sair da bosta de hospital onde sou sub empregado, me dirijo ao ponto de ônibus.
Já fico contente quando vejo a cor laranja se aproximando, e mais ainda quando leio o escrito “Shop Continental”.
Por que?
Impera hoje a visão de que o “eu” é constituído de nossa experiência. Foi o que você viveu do seu nascimento até hoje que formou o seu “eu”.
Pensando assim, os psicólogos se voltam para fora,a salvação está fora, em seus relacionamentos.
Mas na esquizofrenia todos os relacionamentos faliram.
Não funciona pensar assim.
No entanto, se o seu “eu” não depende dos outros, se ele inclusive é igual ao eu profundo dos outros,e igual até mesmo a Deus, há alívio.
Quando me sento no ônibus, agradeço a Celso Pita como meu maior benfeitor;por ter criado a linha Anhangabaú, Shop Continental.
Lá dentro esqueço todos os relacionamentos e sou feliz.
Estou na minha zona de conforto.
E aí começa a viagem.
Me lembro primeiro do psicólogo dizendo para eu sair da zona de conforto. Me vem à cabeça Olavo de Carvalho, e mando ele enfiar seu conceito de zona de conforto no cu.
O cobrador do ônibus deixa de ser o outro para se tornar uma extensão de mim.
Presencio uma cena antológica da cultura brasileira.
Um carro de polícia se aproxima com a sirene ligada naquele habitual volume dez vezes o necessário.
O cobrador não olha para ninguém, não espera resposta, apenas canta: “ O abre alas que eu quero passar”.
Eu rio.Ele jamais vai saber que apreciei a piada,mas o detalhe é esse mesmo. Ele não liga.
Me lembro da recomendação de ler Montaigne,mas tenho mais curiosidade de saber quem é ou quem foi Carlos Adão.
Sobe no ônibus um francês.
Ele tenta pagar o ônibus com uma nota de cem.
O cobrador diz que não tem troco.
O francês diz que na França, ou em qualquer lugar civilizado, todo estabelecimento comercial, fixo ou móvel,tem a obrigação de ter troco. Ele não entende porque seria diferente no Brasil.
O cobrador responde que se ele quiser investigar se ele tem troco escondido no cu, ele pode.
O francês então diz ao cobrador que são as escolhas dele que o definem.
Sobe então um judeu. A situação se repete com uma diferença étnica. O troco agora é mais importante, assim como a malícia cresceu.
Não preciso repetir a resposta do cobrador.
Mas o judeu lhe diz que ele deveria ser responsável pelos passageiros do veículo.
O cobrador fica com a cara do Silvio Santos diante do bambu, e pergunta: O que?
O judeu responde : foi assim que surgiu o nazismo.
A viagem segue.
O motorista já exausto breca diante de uma moça na calçada. Pede que ela entre, diz que o itinerário é bonito,que o cobrador é uma simpatia.
Ela responde que ele deveria ser mais maduro quanto aos seus sentimentos.
Isso abala o coitado. Ele também já não sabe quem é. Nós observamos, mas estamos igualmente perplexos.
Um tempo depois ele vê a moça e breca de novo.
Ela lhe diz que aquilo está estranho, que é preciso discutir a relação.
Para o motorista o golpe foi além de sua resistência.
Todos nós lá dentro estamos alucinados. Estamos em desespero.
Alguém ,manda um relato ao Bozo. Ele responde “ E daí?”.
Vemos a moça de novo!
O motorista breca. E a moça olha. Tem o motorista e mais três cabeças na janela como no filme Papillon. Eu, o cobrador e o Carlos Adão.
O que se passa?-perguntamos.
É que vocês veem sua mãe em mim-ela responde.
O Carlos Adão murmura que acha meio difícil.
Olho para o lado e pela primeira vez percebo que ele é preto.
A viagem segue.
Deve ser a dopamina! – diz o cobrador.
O filósofo Jonas Marx endossa: It is the only explanation!
Percbemos que nossa taxa de glicemia subiu demais. Estamos todos diabéticos.
A principio nos aflige.
Mas! Somos estoicos!
A morte não é problema,é alívio.
E juntos dizemos que Deus dá o frio conforme o cobertor.
Embora desconfiando que isso na verdade queira dizer que quanto menor o cobertor maior o frio.
A conclusão desse ensaio é que a filosofia moderna é um esforço de gente erudita em provar que sua experiência de erudição é superior à experiência de vida do cobrador.