Nastassia revisited
Pouca gente já ficou tantas vezes vermelho como eu. Depois de tantos anos sem empatia, abri ontem um vídeo do Klaus Kinski no Letterman.
Já nos primeiros segundos fiquei vermelho. Que perigo, estava revendo minha adolescência. Pensava que ele era mais viril, soava quase gay. Um monte de emoções me vieram. Aquilo era minha intimidade exposta. Emoções que nunca compartilhei. Era para ser só meu e de repente estava no Letterman. Como é que podia ser? De repente tinha um vídeo lá da minha intimidade conversando em público! E o mais estranho, havia interação. Ele se comunicava, parecia até que bem. Essas coisas são só de gente vermelha, se o leitor não tem isso, pare por aqui.
Há que se esconder .E ali um risco imenso. Que mais ele iria dizer? Poderia ficar cada vez pior.
Mas uma boa sensação também, porque a conversa foi indo. Pensei que não ia, mas foi. Como é que podia ser? Me sentia bem. Ele ia se expressando bem, contava piadas, a plateia ria, tudo ia dando certo.
Eu não conseguia entender o que se passava.
Vi o vídeo duas vezes. A segunda por conta do inglês. A ausência da terceira para evitar maiores danos.
Mas passado isso, comecei a pensar. O cara era mesmo toda aquela estranheza daqueles tempos. Onde meu lado humorista me salva. Eu sempre disse que ele era o único que podia fazer o Nosferatu sem maquiagem, e ele repete lá isso. Era famoso que o Werner Herzog o tinha ameaçado de morte. Coisa grave. Não se expõe. Mas ele fala que não podia ser, porque o revólver estava com ele. A plateia ri. Será que foi piada, ou sinceridade? A mão do Letterman na boca no final, como quem diz , meu Deus, o que se passa? , diz tudo.
Isso aí é o que sepulta. Essa mão na boca. É o momento depois da vermelhidão. Porque já nos expusemos muito além. Não fazemos mais ideia do que estão pensando da gente, e o pior de tudo, desperta uma ética, a pessoa vê diante do que está, e se abstém.
Pobre Klaus. Era muito diferente de mim, mas hoje me vejo em todo mundo. Ele tenta pateticamente se enquadrar. Quem sabe soando gay? Eu vejo esses americanos falando assim, é capaz que dê certo na entrevista. Agora, se alguém vai de fato achar que somos gays a gente esquece. Esse texto é só para vermelhos.
Quantas vezes na vida eu fiz esses raciocínios! Quem sabe se eu falar com a moça da maneira como está no filme mash vai funcionar. Agora, um hospital na Coréia durante a guerra é um pouco diferente da minha sala de aula. Eu esqueci. Fui adiante. A gente pensa que ninguém tá comentando. E primeiro é só vermelhidão. Mas depois de meses que toda a classe me via pálido, quase como o Nosferatu, quieto, desesperado, numa patética esperança de um retorno, só havia aquela mão na boca.
Pobre Klaus. Dá pra ver agora. Se eu percebia inconscientemente só essa gente aí para saber.
Mas leitor, a coisa foi mais emocionante. Muito mais. Ele tinha uma filha. Quando eu vi me chamou a atenção. Você sabe o que é uma mulher chamar a atenção de um cara assim lá pelos quatorze anos? Não para mais. Vai vinte anos. Recortei a foto dela e pus na carteira. Olhava aquilo sempre.
Deus meu, homens assim acham que a mulher salva. A gente acha. Eu achava. Tava tudo perdido. Aquela mão na boca na escola, e em casa nem comento. Hoje em dia pede-se falar da mãe. Sim, aquela frieza absurda. E a Nastassia aquele poço de compreensão. Ainda mais que tinha que compreender aquele pai. E se alguém já viu a foto, não precisava continuar aqui. Mas, para os bravos, tem aquela cena no Paris Texas de prostituição através do vidro. Aquilo não vou rever. Por favor não vá pensar que falo de sexo. Que falta de sensibilidade. Sexo não passa na mente de gente assim. Nunca tive nem ereção com ela. É outra coisa. Se tiver coragem vê a cena. Até com clozapina você chora.
Pessoas escrevem sobre seus sonhos. Mas escrever sobre longas hipnoses é para poucos. Não é sonho. É outra experiência. É Deus ali me trazendo pureza, bondade.
A coisa ainda ficou pior porque achei que um filme posterior ela tinha feito pensando em mim mesmo. Aí, que palavras?
Pensa um pouco. Ou melhor, nem precisa pensar.
Ela chegaria na minha casa. Ia me beijar e também tudo mais. Mas já pensou uma mulher assim entrando pela porta da sua casa? É ver Jesus.
Eu pensava que ia acontecer. Eu iria mesmo ascender ao céu. De fato leitor, de noite eu pensava que no dia seguinte ela ia chegar. Só se compara mesmo à uma profecia bíblica.
Mas naquele vídeo não me veio tudo isso. Acho que veio só o tempo da foto na carteira. Porque hoje a humanidade já meio que empata pra mim. Já não sou o maior sofredor do mundo, nem a pior hipnose. Nenhuma mulher pra mim vai ser assim. Tenho cinquenta anos. Quero mais uma mãe para um filho que ainda sonho ter. Mudou tudo.
E vi o vídeo dela hoje no mesmo entrevistador. Ela menciona o exato filme feito pra mim. Não tive as emoções que estão pensando.
Ela é ainda mais velha do que eu. Acredito nas profecias bíblicas. Acho que meu pesadelo vai acabar.
E aí pensei é melhor não ver. Nessa idade é melhor não ver.
Mas hoje tenho empatia. Só quem tomou clozapina sabe da importância disso. Se você toma, não vai ver mesmo uma mulher dessa idade.
Mas eu vi ela lá. Também vendo um jeito de se livrar das perguntas do Leterman. Nunca vivi lá só sei mais ou menos como é o Jô Soares. Mas talvez ele tente ser humorista e coloque alguma dificuldade lá. Parece educado, mas o que ela pensou antes da entrevista não sei. Capaz que ficou ansiosa.
Agora, ela é alemã. E pediram para ela fazer um filme com sotaque de New Jersey. Não faço ideia do que seja esse sotaque, mas alemã fazendo um sotaque típico de uma região americana. Será que eu estava mesmo enganado? Porque ela tinha de fato centelha divina. Tão bonita também. A humanidade tem certa consideração quando nasce uma mulher assim bonita. É algo meio divino também. Os homens sabem que induz uma certa experiência. A maioria não. Mas os que ficam vermelhos sabem. Não é de graça que essas mulheres são reverenciadas. Não tem nada a ver com sexo. Já disse. É outra experiência.
Eu vi ela lá. Já não tem aquele rosto. Mas por empatia agora. Agora sou um ser humano melhor. Eu era também na minha adolescência. Agora sou de novo. Acho que entendo um pouco dela.
Tem que se livrar das perguntas. Era o centro das atenções, mas não estava confortável lá. Certamente sabia dos masturbadores todos. Mas eu acertei na época. Porque ela de fato ia preferir algo do meu gênero.
Os dois eram sensíveis. Acho que demais. Como eu. E eu sei que é difícil. Foram por diferentes caminhos, mas hoje vendo acho que não errei tanto.
Eles acharam que sendo atores iam solucionar talvez. Não sei se funcionou. Acho que não muito, porque gente assim não fica confortável com a fama.
Saudades. A melhor palavra de nossa língua. Já esqueci aquelas noites em que achava que ela viria. Não tem mais a vinda do Messias. Quem sabe é aquela parte final de várias novelas. Onde a emoção baixa. A gente reflete sobre o que passou.
Eu me lembro dela. De fato mais bonita do que o mundo em volta. Envergonhada por isso, mas isso mesmo parte da beleza. E realmente é bom poder ver de outro ponto de vista.
Saudades. Sabemos que ela não fala português, mas conheço a mente de gente assim. É capaz que entenda. Se ela lesse aqui, pegaria o contexto. Faria como eu. Pensaria na mente do escritor e adivinharia. A capacidade de alterar a cor do rosto se relaciona com outras coisas também.
Saudades.