O Homem que não tinha id
Eu não tenho id. Mas alguém tem?
O ser humano nasce com o desejo de colaborar com o todo, só que se confunde quanto a melhor maneira de fazer.
O raciocínio de hoje é meio longo. Começa com a questão: Quem se preocupa com a competição?
Geralmente só quem se sente por baixo e tem urgência de provar que vale algo. Quem tem boa auto estima não compete.
Não é da nossa natureza competir . A sociedade que é organizada de forma competitiva e isso que ferra.
Vamos aqui fazer alguns raciocínios:
O que seria uma pessoa egoísta?
Uma primeira resposta poderia ser quem foge à famosa regra: não faça aos outros o que não queres que te faça a ti. Pessoas boas vão achar óbvio, pensam assim por natureza. Mas nem sempre é assim. Na minha vida, como qualquer um que tenha lido qualquer coisa que escrevi sabe, minha mãe é incapaz disso. Ela não sabe se colocar na posição dos outros, o meu sofrimento jamais a incomodou, pelo contrário lhe deu prazer.
Isso advém de possíveis cálculos malfeitos desde há muito. Ela abdicou do altruísmo creio que na infância. Pra mim, é impossível entender o que aconteceu.
Uma primeira definição de egoísmo seria isso. Gente sem empatia.
Mas isso ainda está longe de clarificar o título.
Uma outra definição seria pessoas que põem sua imagem acima da solidariedade. Por exemplo uma mãe que quer se mostrar rígida com o filho ( aqui não é a minha) e acha isso mais importante do que o próprio filho.
Mas ainda não está no título.
Para chegar, vou usar uma definição mais sutil.
Há pessoas que gostam de estar agitadas e pessoas que gostam de estar em calma.
As que gostam de estar agitadas querem agitar também quem está em volta, e as calmas gostam de acalmar em volta.
Ou seja, as adeptas da agitação não querem o bem alheio e são portanto egoístas em oposição às segundas.
O problema é que todos os seres humanos querem ficar em paz. A agitação é um desespero de conseguir isso. O equilíbrio só se restabelece após uma tempestade.
Só que não é necessário agitar-se. Quando se lê sobre o id, parece que é. Parece que tem necessidade de agitação todo dia.
Parece que o ser humano por natureza quer bagunçar.
Culmina em peça do Zé Celso, aquelas cenas fantásticas de Antonio Conseheiro masturbando-se no palco e por aí a fora, a apologia da confusão.
Tanto libido como pulsão de morte se referem a interferências no ambiente. Quando sustento que nosso desejo mais genuíno é deixar o rio correr imperturbado. Atrapalhamos por estarmos confusos, esquecidos de nossa real natureza.
Até mesmo escrever esse livro é meio torto pra mim. Preferia não ter o desejo de fazer isso. Isso aqui é fruto ainda de uma certa imperfeição.
Mas o leitor atente para isso. Vide jainismo.
Quando perguntaram a Joseph Campbell o que ele pensava da Índia, ele apenas disse, lá já sabem de tudo há muito tempo.
Verdade. Veja os Jainas. Oitenta por cento do mercado de diamantes do mundo está no controle deles. Há que ouvi-los.
Você não destrói nada. Se possível não mata uma formiga. E respeita totalmente as opiniões discordantes. Jamais seja coercivo.
Era isso. Perturbar a paz alheia é que é o egoísmo. Não tem id. Tem desejo de paz só.
O id vem da personalidade. De nossas particularidades. Quando vemos que não temos particularidade nenhuma, pra que provar isso ou aquilo? Pra que interferir na vida alheia?
O Shirakawa é mais fácil de entender que a minha mãe. Começa com inferioridade. Ele ia no Pacaembu quando adolescente ver o Coríntians. E começou ali a nutrir ódio contra a humanidade. Não sei se o Coríntians perdeu, se alguém zoou com ele, se o problema era que a etnia dele tem pênis menor, o que era, o fato é que ele se revolta, torna-se cínico e adepto do lado negro da força.
Shirakawa percebe que esse mundo de fato é merda, e passa a prescindir de ética. Vale qualquer coisa pelo prestígio e conta bancária.
Ele vê não sei se em filme ou na realidade, cientistas japoneses. Vê que eles tem status e decide então imitar, vender aquela imagem. Foi uma decisão inteligente. Ele consegue iludir na UNIFESP que é um cientista honesto, dedicado. As pessoas compram isso.
Com essa imagem o Shirakawa foi longe. Culmina no acordo com o Novartis.
Não só interfere na correnteza, como interfere com maldade.
Quando minha mãe vem para SP a auto estima estava péssima. Por isso ,ela passa a competir de qualquer jeito que seja. Lembremos do raciocínio acima, a competição aflige quem acha que está perdendo. Ela faz qualquer negócio para salvar a imagem. E aí se distancia de ser apenas contemplativa, como qualquer ser humano de categoria.
Não é qualquer um que pode se tornar guerrilheiro. É uma profissão de quem quer mudar a sociedade. E só funciona com o complexo cálculo de que a paz após a tormenta será maior e justifica a tormenta.
Agora, ingressar porque gosta de fazer barulho, de intimidar, rebelde sem causa, audácia sem objetivo, é dar vazão ao id fictício que passa a existir nas mentes perturbadas.
Aí que está o problema. O objetivo é a quietude. Só que às vezes o cálculo de chegar na quietude é complexo. Ninguém nasce com id. Só nascemos com o desejo de aprender qual a nossa cultura e colaborar com o todo. Mas lá no Pacaembu algo se passa que passamos a ter raiva e a paz se perde.
O sexo é algo diferente do resto das nossas atividades. Porque de fato não tem como fazer sem interferir na vida do outro. Mas é exceção. O restante todo se faz sem interferir.
E mesmo o sexo no caso humano existe para promover a paz. Soluciona tensões.
Quando se pensa em termos de id passa-se achar que é preciso sair à rua e mostrar quem somos. Tem mulher que gosta de usar poucas roupas. Mas não é necessário. Poder pode, hoje em dia pode, mas não é necessário. Em muitas sociedades as mulheres viveram e vivem sem nunca exibir quase nada em público. Mire-se no exemplo das mulheres de Atenas, ou até melhor, nas afegãs.
Não digo seja necessária a burca. Digo que é possível viver assim. Porque passar despercebido não é ruim para o ser humano.
Na adolescência muitos sonhamos em ser escritores. É natural da idade. Mas depois que a gente escreve fica pensando que superior é o lixeiro, que não tem necessidade do nome na prateleira.
Pra que mudar as coisas? Quem sou eu para exigir a burca ou proibir a burca ?
A minha missão no mundo não é essa. Tenho apenas cabeça pensante para evitar de aderir a um grupo ou outro que é formado de embalistas. ( gíria da minha adolescência) Embalista é o pior que tem. Tanto medo de parecer inferior que maltrata os outros só para não parecer por fora.
Mas assim você é contrário à arte! - posso ouvir as reclamações.
Não sou não. Sou contra a masturbação de Antonio Conselheiro porque a intenção daquilo é agitar. Tudo que for agito sou contra. Mas sustento que a arte boa de fato traz paz, quando termina as pessoas estão menos competitivas e mais solidárias.
O sucesso do ocidente se deu por causa do id. Começa com as grandes navegações. O comércio do pau Brasil. Vem o tráfico negreiro e culmina no capitalismo. Gente intervencionista é útil ao acúmulo de capital, ao desenvolvimento tecnológico.
Mas o castigo veio. Interferiram tanto que o clima mudou.
Essa a grande ironia de nosso tempo. Os dados estão aí. O clima muda. Mas o id não muda. Continua a mentalidade de intervir! Continua a necessidade egoica da conta bancária! A bola pune e o clima pune. É o único jeito dessa gente perceber que não se deve intervir, que o rio tem que passar em calma.
E de repente é o fim da civilização. E se for? Crônica de uma morte anunciada.
Único momento em que meu discurso coincide com o discurso atual.
Para salvar o clima sejamos jainas e não freudianos. Não tem necessidade de fazer nada!
Freud teria ações das companhias petrolíferas e ia inventar que era porque a mãe o amamentou assim ou assado, porque o jorro do petróleo parece o jorro do esperma, então ele precisa das ações para satisfazer suas pulsões de vida e morte. É bobagem. Mais feliz é quem não compra as ações e só contempla.
A minha tese é essa.
Não tem necessidade de agressão. É cálculo mal feito. Dá para viver em paz. Prende-se o Shirakawa e os bons aqui fora vivem em paz.
Tem índio que faz guerra. Sem dúvida que tem. Mas tem exceções. Ianomami não faz, e vive bem, e comprova a tese desse artigo.
Não tenho id. E ninguém tem.