O maior dos caprichos

O maior dos caprichos é achar que vou entender caprichos que nem foram expressos.

O maior dos caprichos é achar que dizendo que eu tenho problemas eu vou entender a que ela se refere sem explicações.

Por que essas coisas?

A gorda parece achar que eu entendo muito mais do que entendo.

Será que não é por conta dos lugares?

Eu não sinto saber nada da gorda. Mas ela sente como se eu soubesse.

A minha hipótese é que eu viajei para lugares onde ela também viajou e isso criou na mente dela um rodamoinho. Como ele adivinhou?

Eu não adivinhei! Eu descrevi certos lugares.

Talvez o lugar dos adolescentes competitivos. Talvez o lugar dos adolescentes deslocados. Talvez o lugar de quem tem o pai torturado. Talvez o lugar de quem não quer ser posse. Talvez simplesmente de quem gosta de filmes alternativos. Ou , a melhor hipótese, eu estive no lugar dos homens que se sacrificam pelas mulheres; como algumas letras do Chico Buarque, ou o Marius do Victor Hugo, lugar de gente romântica.

Talvez algo assim tenha acontecido.

Mas gerou um equívoco.

Ela passou a achar que eu estava disposto a aguentar caprichos, que eu estava disposto a uma relação não simétrica.

O que não era verdade!

Eu estive naquele lugar, mas ocasionalmente, não fui frequentador assíduo.

Daí confundiu. Ela viu que eu não voltava pra lá. O que se passava?

O lugar do machismo. Essa foi a hipótese.

Eu era romântico, mas meu pai me forçava para o lugar do machismo, e aí isso atrapalhava, meu antigo voo não acontecia mais.

O problema é a abordagem.

Será que se pensarmos em termos de lugares abstratos fora do corpo, não facilita entender?

Por que a gorda passa a achar que eu a entendo tanto?

Por que toda essa ideia de machismo estava errada?

Talvez porque tanto o entendimento meu da gorda, quanto piadas ocasionais de machismo, não sejam parte da minha alma, como querem os psicanalistas, mas apenas alguns momentos em que frequentei certos lugares.

A gorda passa achar que tem na minha essência um companheiro, mas não era, foram só algumas coincidências.

Eu percebi o erro. Eu não queria aguentar os caprichos unilateralmente, em função da gorda ser interessante. Eu queria algo de igual para igual. Eu ensinava inglês para ela e ela francês pra mim. Seria tudo em dupla. Mas percebi que não era o caso.

Ela no entanto acho que nunca percebeu.

Achou que teria de volta um cancioneiro medieval que na verdade ela nunca teve.

Talvez a maior falha da psicanálise é achar que quando você conta uma piada você está se revelando. Eu diria que não. É só uma visita a algum lugar, ou talvez um convite para que a outra pessoa também vá la. Mas é transitório! Amanhã mudou. E aí falha a psicanálise. Eles tomam como definitivo algo que não é!

Eles passam a achar que existe um eu complexo, cheio de memórias e desejos, quando na verdade o eu é mais uma testemunha sem nenhum adjetivo. Apenas um viajante.