Perguntas Interessantes
Algumas perguntas interessantes para o estudante de estoicismo
Por que Sócrates usava roupas simples? Por que Sócrates se comparava à sua mãe parteira? Sócrates não era um chato, arrogante, que tinha prazer em destruir as opiniões dos outros?Por que alguns estoicos diziam que quem tem uma virtude tem todas? Por que alguns estoicos diziam que ou se é ou não se é estoico, sem intermediários? Os filósofos céticos tinham algum motivo para agir? O que Pirro viu na Índia?Se Hitler calculava, não era estoico?
Vou tentar responder de acordo com algumas ideias que tenho.
Acredito que o estoicismo já na antiguidade era misterioso para muitos, daí muitas confusões. Vários autores antigos tentaram compilar as ideias estoicas, o que pode não ser uma boa didática.
Sócrates era um homem humilde. Por isso suas vestimentas. A mãe parteira se refere mais à barriga que some, do que à criança que nasce. Para manter sua humildade Sócrates buscava esvaziar sua mente. Ele não queria destruir ninguém, queria mostrar que pela lógica nossa mente deveria estar vazia, o que vinha a ser também a maneira de se pensar corretamente e de viver corretamente. A mente vazia era o que Sócrates queria passar. É um círculo virtuoso. A mente se esvazia pela lógica e aí se torna mais forte para se esvaziar novamente.
E Sócrates era bom.
Já se dizia: se você quer fazer Filócrates rico, diminui-lhe os desejos.
Sócrates, com a mente vazia, desejava pouco. Nossos desejos tem pensamentos por trás, ainda que inconscientes.
Uma questão óbvia que surge é: se um bandido tem coragem, como que se pode dizer que quem tem uma virtude tem todas?
É o problema de Gettier. Se alguém chega numa conclusão correta por meios errados, essa conclusão é válida?
Ou seja, o bandido é corajoso, mas não pelo processo estoico. Ele faz o que faz sabe-se lá porque.
Mas se você chega na coragem pela mente vazia, é certo que também vai chegar na justiça.Porque a justiça é consequência da mente vazia.E assim por diante.
E de fato o estoicismo é uma luz que nos vem à mente num momento. Como você chega nesse momento é discutível. Mas antes de chegar, você não é estoico, e depois torna-se. O momento é mágico, é a percepção de que você só precisa da lógica, e nada mais.
É possível que o seu caminho tenha durado trinta anos, durante os quais você estudou sem frutos, ou com poucos frutos, ou com a ilusão de ter frutos. Mas é de repente que você se ilumina.
A questão cética tem que ser pensada. Se não posso confiar em nada, da onde vem minha força de vontade para agir? A ação não pressupõe uma razão por trás?
Está certo isso. Sócrates de fato nos convida a sermos puramente contemplativos. Ele nos ensina que nossos pensamentos e emoções são todos passíveis de serem examinados. E nessa condição somos felizes.
O problema é que há um corpo biológico além da razão.
O cético sabe que não precisa de alimento para sua razão. Ao contrário, ela subsiste melhor quanto menos perturbada for. Se você lê Homero ou vai ao teatro ou não faz nenhum dos dois, isso dá no mesmo. Na primeira hipótese você se emociona mas sabe que não está aprendendo nada, e na segunda você sabe que quem desfrutou da arte não aprendeu nada demais,e portanto você não perdeu nada.
Mas o problema cético é que eles tem prazer na vida. Esse estado cético é agradável. E aí para preservar isso há que se manter o corpo biológico.
Além de haver um hábito anterior ao estudo da filosofia que nos leva a continuar agindo.
O cético age para comer. Quase que só contempla.
Sabemos da viagem de Pirro à Índia. Muitos filósofos indianos são contemplativos. Pirro deve ter visto isso, e deve ter visto o paralelo com Sócrates.
Já se disse que a escola Vedanta é budismo com Deus. Estoicismo e ceticismo são budismo com lógica.
O ceticismo tem um problema que o estoicismo resolve. O problema é que inevitavelmente o ambiente vai nos sobrepujar. Não dá para viver, a não ser com muita sorte, o tempo todo só contemplando. As situações difíceis surgem. E aí precisamos calcular e confiar em nossos cálculos para sair da situação difícil. Algum estoico poderia dizer que toda a vida dele é uma situação difícil e ele precisa lutar o tempo todo. Daí o caráter militar do estoicismo.
A virtude da mente vazia já foi vista por muitos. Há uma pintura na China onde Buda, Lao Tzé e Confúcio tomam chá juntos. É um símbolo interessante de que os sábios convergem.
Talvez muitos estoicos achem que baseados em seus cálculos que vão ser bons. Mas não é só assim. É também baseados em suas emoções. A pessoa com a mente vazia é boa.
Há uma velha objeção ao estoicismo quando alguém diz que Hitler calculava o tempo todo. O problema é que ele calculava mas ao mesmo tempo ambicionava, e portanto seu comportamento nada tinha de estoico.
Na Índia temos uma boa observação. Você pode meditar, pode fazer boas ações sem esperar retorno, pode devotar-se a um Deus pessoal, ou pode seguir o caminho do pensamento. (tradução minha de path of inquiry). Todos são válidos. Acho que Sócrates seguia o último, respeitadas as diferenças culturais.
O alemão Heinrich Zimmer escreveu um estudo de filosofia indiana que ficou famoso. Mas há uma questão interessante lá. Ele romantiza um pouco a visão do sábio. Muitos indianos também fazem isso. Dá a impressão de serem sobre humanos.
Não concordo com isso. Como observado acima, o ambiente ganha de nós. Qualquer que seja a nossa inspiração.
Existe a famosa figura do sábio estoico. Eu considero a metáfora inútil. Não é um telos para nos guiar. O telos é Sócrates. Passível de medo e sofrimento. Idealizar algo invulnerável para seguir é esquecer nossa humanidade.
A filosofia é muito mais como nos recuperarmos do que sermos invulneráveis.
João Leite Ribeiro