Uma visão romântica da esquizofrenia
Uma visão romântica da esquizofrenia
Há tanta especulação psicológica sobre mim e meus colegas de esquizofrenia. Geralmente os psicólogos tendem a dizer que somos de alguma forma imaturos. Nos nossos relacionamentos e frequentemente na aceitação de nossa sexualidade.
Desde Freud que nossa biografia explica nosso presente,e não sabemos nossa biografia, quem nos vai mostrá-la será alguém perspicaz, que através de nossos atos falhos e sonhos acessa nosso inconsciente e lá vê os eventos traumáticos, reprimidos e que precisam ser entendidos.
Há um problema sério aí para mim. Mesmo concordando com a discutível ideia de que o psicólogo acha nosso inconsciente, ele inevitavelmente vai achar momentos. A personalidade, o valor que damos a eventos de nossas vidas são todos mutáveis.
Ah, descobrimos que vc é machista! Não descobriu nada. Eu fui machista, num dado momento e circunstância, com outra mulher fui compreensivo.
Ah, sua homossexualidade reprimida foi a causa de seu suicídio! Hoje parece. Amanhã foi a demissão de meu emprego.
Noto sua emoção referente a essa música! Nem isso é verdade. De novo, hoje me emociona, e pode ser que amanhã também , mas mesmo o gosto musical é mutável, posso achar um músico que me expressa melhor.
Ah, mas a emoção existe! Sim, e o raciocínio também! Igualzinho.
Por que julgar as emoções como melhores guias para minha vida do que meus raciocínios?
Por que o estado de consciência em que sonhamos é superior ao estado em que refletimos?
Ah, vi no seu sonho em que você voava um desejo de liberdade, uma nova vida! Certo, quando acordei vi que minha vida atual é boa, por que o sonho te que ser uma percepção mais confiável?
Nosso inconsciente é nossa memória. Freud seleciona dessa memória alguns momentos relevantes, eventos que hoje nos atrapalham.
O problema é que não há como fazer isso. Porque a relevância muda. Há muita coisa em nossa memória, e a vida é um sistema aberto. Ou seja, não é possível dizer que a arte que eu crio vem de um pai repressor. É impossível. Pode ser que venha de uma existência anterior, ou da posição dos planetas quando nasci. Tentar explicar o processo criativo de uma pessoa é chutar. Não tem como. Hoje a repressão do meu pai me fez escrever um poema. Amanhã será a fragilidade dele e o apoio que ele me deu. Tudo muda. E é impossível uma interpretação cartesiana da vida.
Vem aí o raciocínio de que meu eu é composto das minhas experiências de vida, em especial meus relacionamentos e entendendo isso no futuro vou me relacionar melhor, e isso é a essência da vida.
De novo. Parece um bom raciocínio. Mas quero ver. Como é que vamos entender meus relacionamentos? O que é uma boa forma de se relacionar?
De um modo geral, quero saber de onde vem tanta autoridade.
Ah, eu noto que quando seu irmão nasceu vc perdeu a atenção de seus pais! Sabe por que que vc nota isso? Simplesmente porque seu paciente achou que te agradaria ao dizer isso.
E o que é relacionar-se melhor? É apegar-se? É desenvolver uma relação de dependência? Ou é se divertir inconsequentemente?
Ah, você paga mulheres, é porque você é inseguro. Da onde veio isso?
Noto um autoritarismo. Como você sabe que no caso específico aqui isso não é de fato a melhor maneira de se relacionar?
Tudo acima é problemático. Basear sua vida em raciocínios tão frágeis, é pior do que não basear em nada. Daí a a grande sabedoria Socrática de dizer eu sei que nada sei.
Freud era patético. Ele não aguentava contrariedades. Elaborou toda uma teoria da arte para que de alguma forma ele mesmo se parecesse com um artista.
Pense bem. Freud tinha ele mesmo um mal estar sexual. Não era vergonha. Era um mal estar. A vergonha geralmente vem de homossexualismo, o mal estar freudiano provavelmente advém de sua agressividade. Não há necessidade de ser agressivo no sexo. Uma mulher dominante é perfeitamente aceitável, e talvez quem aprecia mesmo uma mulher sabe que é agradável ser dominado. A ideia de Freud de que alguma agressividade é necessária parece vir do fato de que ele mesmo era agressivo.
E daí ele começa a achar que todo artista tem um complexo de Édipo mal resolvido e que por isso é talentoso.
Ele queria apenas sentir-se igual aos artistas.
A vida inteira Freud só ambicionou. Disso nada de bom poderia surgir.
Alguma vez Freud riu? Há algum relato disso?
Fala-se tanto da sexualidade na primeira infância. Que o corpo é sensível é. Como vc sabe que os órgãos genitais da criança não são apenas sensíveis, sem conotações sexuais? A criança precisa explorar o mundo, seu corpo nisso. Mas não pensa em sexo. É táctil apenas. Às vezes descobre que os pais se incomodam se elas mostram a língua ou rebolam e aí fazem isso mesmo só para incomodar. Não dá para saber tudo que essa gente diz. Que a criança quer sexo com a mãe ou o pai, e depois se sente castrada, isso vai além do chute, é pensamento sem base nenhuma.
Freud novamente se torna patético ao dizer que houve um famoso banquete onde os filhos mataram o pai e a partir daí surge o tabu.
Não há absolutamente nada que comprove isso.
Desde e Heiddeger a ideia de que somos nosso relacionamentos, Levinas chega e fala da responsabilidade com outro, Martin Buber vem com seu famoso “Eu e Tu”.
Mas de novo se torna patético. Conversando uma vez com uma figura que se achava o maior psicanalista do Brasil ele me veio com a afirmação de que recebia bem as pessoas mas que quando alguém era agressivo ele dizia “ não mereço isso”.
Aí se vê zero responsabilidade pelo outro, apenas um ego e nenhuma abertura.
Na minha opinião a psicologia moderna é bobagem, pior do que bobagem ela pode ser nociva.
Fala-se na horizontalidade, mas não há, uma vez que o paciente não sabe se relacionar e portanto é inferior mesmo.
No caso da minha vida a exigência de que eu fosse espontâneo, a observação de que meu racionalismo era um mecanismo de defesa de fato contribuiu para minha tentativa de suicido. E durante toda a minha vida fui excluído, tive que fingir porque se não concordasse com as ideias vigentes não seria considerado uma pessoa recuperada. Talvez nem meus grupos de ajuda mútua eu pudesse ter dirigido.
No entanto quero por aqui algumas observações.
Penso que a esquizofrenia não pode ser explicada em termos psicanalíticos. Primeiro porque é mais genética do que ambiental. Segundo porque a adolescência e o início da idade adulta são o que importam e não a primeira infância. Terceiro o problema não é imaturidade nas relações.
Na minha visão as pessoas com esquizofrenia são superiores. Estão possivelmente relacionadas ao conceito de PAS.
Essas pessoas são mais sensíveis. Não apenas emocionalmente, mas intelectualmente e sensoreamente também.
Essa maior sensibilidade leva essas pessoas a perceber a injustiça do mundo e também à tentativa delas mesmas de não participar da injustiça.
Pra mim, o problema é esse.
Aí a pessoa não é compreendida. Ela percebe sutilezas no dia a dia que são de fato injustiças mas não consegue explicar, acaba ela mesma sendo vítima de injustiça e daí começa todo um ciclo infindável de onde não se sai mais.
Vou exemplificar com minha própria vida.
Tenho uma grande diferença de idade com meus irmãos. Sendo eu moralmente melhor que minha mãe, eu era mais compreensivo com eles.
Porém a mediocridade da minha mãe a levou não a valorizar isso, mas a ter raiva de mim. Sendo então eu vítima de injustiça, e surgindo um ciclo de sofrimento.
Dei aulas de inglês para portadores. Me lembro de E. um japonês. Estava sempre aflito, não queria ferir ninguém e ao mesmo tempo queria se mostrar grato pela oportunidade que eu lhe dava.
M. foi um coitado para quem disseram que ele era insensível e portanto precisava tomar cuidado com o que dizia. Nunca vi uma pessoa insensível nunca ser agressiva.
E assim por diante, o problema da esquizofrenia não é agressividade ao contrário é um desejo de paz mais intenso.
Qualquer um que conviva largo tempo com pessoas assim vai perceber. Dê-lhes uma chance. Mostre-se uma vez maior do que o famoso “ não mereço isso”. Você vai ver que eles amam a paz muito.
Uma vez eu disse que o texto de um cara estava bom, mas eu não sabia se tinha a ver com o assunto sendo discutido. Fui corrigido por um colega. Não se tratava de o texto estar bom, tratava-se de respeito.
A esquizofrenia para mim então é romântica. São pessoas que querem que tudo dê certo, que todos nós nos respeitemos e que no seu esforço para conseguir isso são mal compreendidas.
Bom, alguém diz, mas fulana de tal te atacava o tempo todo em seu grupo. Sim. Mas creio que ela apenas queria ver se eu dizia “ não mereço isso”, ou insistia em respeitá-la o que seria a justiça ali necessária.
Uma vez um cara entrou no meu grupo e disse: “ meu nome é Milagre! Vim para te destruir! Quero ver se sua segurança é fundada ou infundada!”
Eu não cai no “não mereço”.
Dias depois ele me procurou dizendo que amava a filosofia.( nome do meu grupo de ajuda mútua).
E há saída para esses santos incompreendidos. Há saída por exemplo na escola Vedanta de filosofia. No Estoicismo.
Há várias saídas e nem sei se os fármacos são mesmo necessários.