Você é um militar interessado em estoicismo?
Você é um militar interessado em estoicismo?
Nos estados unidos muitos militares hoje falam em estoicismo. Talvez você ache atraente.
Eu não sou militar e muito menos estive numa guerra. Mas estudei o assunto e posso esclarecer alguns pontos.
Esqueça por hora o que você já leu. São palavras que constam nos textos estoicos, mas o discurso elaborado não é o discurso que um general estoico faria para soldados estoicos.
Em primeiro lugar, achar que estoicismo é uma filosofia que vai te proporcionar auto controle em qualquer situação é uma fantasia de gente que obviamente nunca esteve numa guerra.
O discurso teria que ter antes de tudo honestidade. O comandante teria que dizer o que os soldados iriam enfrentar.
Uma vez fui assaltado e fiquei sob a ameaça do revólver por uns quinze vinte minutos. Meu problema não era a morte. Eu torcia por um tiro na cabeça. O problema era ele errar a mira, e pegar no estômago.
Começa por aí. O general não tem que pedir coragem quanto à morte. Isso é relativamente fácil. Não na vida comum, mas durante a batalha perder esse medo não é tão complicado. E sobre a morte o soldado já sabe.
O discurso tem que esclarecer outras coisas. O corpo em chamas, a perna amputada, o imenso sangue no soldado ao lado. Os rostos de total medo dos companheiros. Os choques elétricos no pênis e no ânus caso caiam prisioneiros. Ou seja, o soldado vai desesperar. Começa por aí. Você vai perder o controle. Vai gritar. Vai mijar de medo. Vai mergulhar no inferno. As batalhas são o reino do diabo. Você nunca esteve lá. Nada perto. Não tem treinamento que te ensine isso. Seu trabalho inclui saber que há uma grande chance de você experimentar dores que você não vai aguentar.
Não se pode pedir a um soldado que aguente essas coisas. Estoicismo é honestidade. O soldado faz o possível. Mas não é vergonha o desespero. Vergonha é não ser informado dele.
Estoicismo prevê a necessidade de se matar. Isso acontece. Pode ficar adverso demais, e aí matar-se é lícito e até recomendável.
O comandante é franco.
Pelo que que você faz esses sacrifícios? Essa pergunta é difícil. Não é por você, não é pelo Brasil, não é pelos seus companheiros. A melhor motivação é cósmica. Essas acima a pessoa esquece. O estoico fazia uns raciocínios mais difíceis. Deus tem planos que não entendo. A vida é essa. Meu destino é esse. Todos sofrem, minha parte no sofrimento é isso. Se aceito o destino, se aceito o que Deus quis pra mim serei mais feliz. No final, era uma prática intensa de fatalismo. E no final uma promessa. Aceitar o destino é a tarefa número um da vida. Se aceito o destino dessas batalhas terei uma vitória espetacular. Uma espécie de neblina, da confusão toda, mas por trás aceitando o destino uma integração com o cosmos.O objetivo final é a integração cósmica. Se morro, melhor. Vou direto para o cosmos. Se não, faço meu melhor. Posso não aguentar, mas de certa forma mesmo assim creio ter essa integração cósmica, apenas por ter feito minha parte. Fazer sua parte era o que eles tinham em mente. Isso feito, estavam de bem com Deus. Fazer sua parte para o estoico ia além de sua parte mundana, era fazer sua parte no cosmos. E dessa maneira a grande motivação deles.
Como Sócrates morreu? Ele foi condenado à pena de morte, mas de forma injusta e tinha a chance de fugir. Não fugiu. Queria cumprir a lei ateniense, mesmo sendo errada! Era cumprindo o dever que tinha paz. Não com os atenienses, era uma paz mística, uma sensação de aceitar o destino.
Eu tentei o suicídio duas vezes e uma vez arrisquei minha vida. Não foi problema. Se é da vontade de Deus, não tem problema. O problema pra mim era aguentar os psicotrópicos, insuportáveis.
No final das contas, os estoicos tinham uma visão mais próxima da religião do que da psicologia moderna.
A importância maior no estoicismo escapa pateticamente de muitos que os leem. Muitos pensam que é manter o controle com o sangue escorrendo. Mas, a ideia era bem mais recuperar-se passada a dor. Estoicismo é muito mais recuperação.
É o retorno. Parar a confusão.
E aí infelizmente o discurso foge à compreensão do cidadão comum de nosso tempo.
A recuperação dos estoicos era por sua mente vazia. Eles não tinham dogmas, nenhuma ambição, nada. O estoico não buscava nenhuma glória mundana. Foge ao mundo atual.
Se recuperavam porque não pensavam em nada. Só verificavam se ainda conseguiam pensar. Se conseguiam pensar, concluíam ter sobrevivido à batalha e tudo estava em ordem. Não precisavam recorrer à nada a não ser à essa percepção de que a habilidade de raciocinar continuava.
Pra mim é assim. Quando percebo que estou pensando bem me sinto recuperado e não preciso de mais nada.
É uma boa visão. Qual o oposto do caos? É você conseguir pensar. A partir daí vem o resto. A partir daí você consegue travar uma conversa e então retorna.
O estoicismo tem a dificuldade de estar distante da realidade atual. Mas para um militar pode-se pensar diferente. A guerra também está longe da realidade atual. É preciso uma certa revolução mental de qualquer jeito.
E esses valores estoicos vão de encontro ao desejo de paz do mundo atual.
Estoicos eram soldados que não queriam a guerra.
Estoicos evitavam ao máximo qualquer violência desnecessária. Não se pode perturbar o fluxo do universo, e se você humilha alguém está fazendo isso. Não cabe ao estoico qualquer decisão divina. Não se agride ninguém sem ser em auto defesa. Mesmo em auto defesa se der para não agredir é melhor. É preferível o suicídio do que fazer o mal.
No final, os estoicos são os soldados que mais vão evitar a guerra. Na esteira do raciocínio acima de aceitar as vontades de Deus mesmo que você não as compreenda.
O estoico jamais pensa na tarefa toda. Não prevê o futuro. Faz o que dá para fazer agora. Vai fazendo enquanto dá. Um dia não dá. Mas sua parte não é superar esse dia.
Parte da beleza do estoicismo é isso. Um dia talvez não dê mais. Eles sabiam disso. Mas você não tem que superar esse dia.
“Quando a sala está esfumaçada demais, há sempre uma porta para abrir”
“ Se você quer fazer Filócrates rico, diminui-lhe os desejos”
(provérbios gregos)